Por Sandra Carvalho

Em 11 de novembro de 2022 às 00:29

Não dá mais para errar. Os impactos das mudanças climáticas estão aí aos olhos de todos. São sentidos, por exemplo, nas secas extremas, redução dos recursos hídricos maior do que o esperado ou pelas fortes chuvas que assolam áreas urbanas. As alterações no clima, majoritariamente motivadas pela ação do homem, são inegáveis e comprovadas pela ciência, sendo consenso em diversos estudos e relatórios mundo afora.

A verdade é que os prejuízos ambientais, sociais e econômicos decorrentes dessas mudanças são contabilizados em todas as partes do planeta, como demonstram discussões da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), realizada desde domingo no Egito. Em Minas Gerais, a situação não é diferente.

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Todos os 853 municípios mineiros apresentam algum grau de vulnerabilidade às intempéries do clima, sendo que a maior parte tem vulnerabilidade alta ou muito alta, e há os casos de vulnerabilidade extremamente alta. O aumento do aquecimento global tem trazido ocorrências cada vez mais graves ao Estado.

Essa sensibilidade dos municípios ao clima foi, inclusive, mensurada através de um instrumento chamado Índice Mineiro de Vulnerabilidade Climática (IMVC), criado pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) para nortear ações governamentais no sentido de mitigar impactos. O Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, por enquanto, são as regiões mais problemáticas, conforme a última medição do índice, que é de 2018, e vêm merecendo atenção especial no que se refere a políticas públicas.

Essa vulnerabilidade ultrapassa a esfera ambiental, sendo avaliada também sob os aspectos econômicos e sociais de cada cidade. Uma nova medição para reavaliar o cenário e se houve eficácia de ações já tomadas está prevista para 2023. Também está prevista a implementação de um planejamento setorial, voltado à neutralização das emissões de carbono até 2050 – conforme compromisso firmado pelo governo de Minas ao se tornar signatário da campanha Race To Zero. Esse plano completo está sendo apresentado pela comitiva do Governo de Minas na COP 27.

Mas, segundo especialistas, mais que zerar emissões, é preciso “pra ontem” reduzir a vulnerabilidade climática das cidades mineiras. É urgente a implementação de um plano de ações efetivas, para que os municípios tenham condições de se adaptar e dar respostas imediatas aos cada vez mais intensos impactos do clima. Esse é o tema desta quinzena do #JuntosPorMinas, projeto do DIÁRIO DO COMÉRCIO que aborda desafios que possam ser transformados em oportunidades de desenvolvimento e inclusão em Minas Gerais. Confira a seguir.

IMVC mostra onde estão as prioridades

Os impactos das mudanças climáticas estão no dia a dia dos mineiros. Tem sido comum, principalmente no período chuvoso, ver o volume de precipitações esperado para um mês inteiro ocorrer em poucos dias. Deslizamento de morros e encostas, enchentes e mortes são consequências. Do mesmo modo, no período de seca, é cada vez maior o número de municípios que também precisam decretar situação de emergência ou calamidade pública.

Além das irreparáveis perdas humanas, esses fatos geram grandes prejuízos econômicos. O que se vê são cidades com pouca estrutura para responder e se adaptar de forma imediata às intempéries. E essas ações do clima serão cada vez mais frequentes e intensas, segundo especialistas que investigam o assunto.

O grau de vulnerabilidade de cada uma das cidades mineiras já é conhecido pelo governo do Estado desde 2018, por meio do cálculo do Índice Mineiro de Vulnerabilidade Climática (IMVC). “Por meio desse instrumento, é possível saber qual cidade está mais ou menos vulnerável às questões climáticas e direcionar melhor os esforços de todas as áreas, de forma conjunta”, explicou o coordenador de Sustentabilidade, Energia e Mudanças Climáticas, da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Alessandro Ribeiro Campos. O IMVC deverá ser atualizado no próximo ano. “Essa atualização, que poderá ser feita com metodologias mais avançadas, mostrará, entre outros aspectos, se algumas ações têm sido eficazes”.

Segundo Campos, a batalha é para que o indicador sirva de parâmetro para medidas em diversas áreas que vão desde a saúde até o desenvolvimento econômico e social. Ele é calculado com base em três parâmetros: sensibilidade do município aos efeitos adversos das mudanças climáticas, exposição às mesmas e capacidade de adaptação.

“A sensibilidade tem como base o quanto a ocorrência climática pode afetar a vida e a economia do município. Por exemplo, cidades cujas economias são mais dependentes da agricultura costumam ser mais sensíveis, ter mais prejuízos econômicos e sociais com as ocorrências”.

A exposição, conforme Alessandro, também considera inúmeros fatores. “É calculada com base no histórico do município, que abrange o quanto ele já vem sofrendo com eventos climáticos, como a escassez hídrica, número de dias que fica sem chuvas ou mesmo o contrário, o padrão de excesso de chuvas; e declarações de emergência e calamidade públicas. Tudo isso mostra o quanto uma cidade está exposta”.

A capacidade de adaptação, conforme o especialista, avalia a estrutura das cidades. “São variáveis que indicam a capacidade que a cidade tem de se adaptar para as mudanças climáticas. Entram critérios como estrutura, corpo técnico, orçamento, governança e capacidade de resposta institucional imediata às ocorrências”, explicou.

Áreas preocupantes

Segundo Campos, o último cálculo do IMVC apontou o Norte de Minas e o Jequitinhonha como as regiões mais vulneráveis. Já em relação às cidades, o município considerado em situação mais grave não está nessas duas regiões . Trata-se de Pratinha, no Alto Paranaíba.

“Esse município obteve a classificação de vulnerabilidade extrema devido à sua muito baixa capacidade de adaptação, ocasionada por um baixo índice de institucionalização da gestão de desastre, baixa renda per capita, baixo IMRS-Educação e baixo gasto per capita com meio ambiente e saneamento (…) O que fica claro é que quanto maior o grau de vulnerabilidade social de uma cidade ou território, maior será o IMVC. Por isso, todas as áreas devem ser trabalhadas em conjunto”, apontou.

Diante da realidade apontada pelo índice, a Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC) recomenda promover a adaptação integrada e planejada no Estado, considerando exatamente as regiões e setores mais vulneráveis. De acordo com Campos, entre as medidas multissetoriais que o governo estadual vem promovendo, estão: o Plano de Desenvolvimento Integrado do Norte e Nordeste de Minas Gerais, a Política Estadual de Estímulo à Construção de Barragens para o Desenvolvimento Econômico do Norte e Nordeste de Minas Gerais, o Plano Estadual de Enfrentamento da Pobreza no Campo, o Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Minas Gerais, o Programa Estadual de Cooperativismo da Agricultura Familiar e Agroindústria Familiar de Minas Gerais e o Programa Água para Todos, dentre outros.

A eficácia dessas e outras medidas poderão ser conhecidas quando for divulgado o próximo IMVC, que deve ser calculado no próximo ano. O IMVC de cada município pode ser analisado na Plataforma Mineira de Mudanças Climáticas

Clima na pŕatica

Outro instrumento criado pela Feam com o objetivo de fortalecer os municípios diante das mudanças climáticas é o Clima na Prática. “O objetivo é ajudar os municípios, principalmente os menores e mais vulneráveis, a criarem seus planos locais de ações climáticas”, informou Campos. A ferramenta, disponível na plataforma Climas Gerais, visa a direcionar o que precisa ser feito em cada cidade. “Essa ferramenta foi calibrada com alguns municípios e chegou-se à metodologia final em 2019. No entanto, como exige acompanhamentos locais, não foi possível implementar por conta da Covid. Essa também é uma ação que está prevista no plano para 2023”.

É preciso focar nas prefeituras e nos políticos

A doutora em Hidrologia Urbana e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG, Priscilla Macedo Moura, destaca que, grande parte das cidades mineiras, sobretudo as menores e mais carentes, não tem condições de se adaptar ou dar respostas imediatas aos efeitos das mudanças climáticas.

“São municípios muitas vezes com recursos escassos, com problemas sociais graves e outras prioridades. É preciso uma ampla política de apoio em nível estadual e nacional para orientá-los e dotá-los de capacidade de resposta e adaptação. Sozinhos não vão conseguir. A gente vê muitos editais, por exemplo, para a liberação de recursos na área de gestão de recursos hídricos, e muitas cidades que sequer conseguem preencher os requisitos, de tão limitado que é o corpo técnico do município”, observou Priscilla.

Outra frente precisa ser incluída nos planos em nível estadual e nacional se refere aos políticos. 

“O analfabetismo ambiental de gestores traz prejuízos enormes à população. Capacitação frequente e entendimento sobre impactos climáticos precisam ser requisitos mais que básicos hoje em dia para se governar cidades, estados e o País. Não dá mais tempo de errar, testar coisas. Chegamos a uma situação de quase não retorno em muitos aspectos, em que não é mais permitido ao gestor errar, trabalhar com achismos. É preciso ter líderes fortes, que compreendam, que tenham consciência da sua responsabilidade em associar o conhecimento científico às ações”, defendeu o coordenador do Programa Brasileiro de Biodiversidade (Pbio), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Geraldo Wilson Afonso Fernandes.

“Assessores de políticos no Legislativo e no Executivo também precisam ser qualificados. O conhecimento de quem cria e implementa políticas públicas é fundamental”, insiste Fernandes, que é membro titular da Academia Brasileira de Ciência e professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.

Segundo ele, reduzir os impactos ambientais não é para amadores. “O conhecimento é o melhor direcionador de ações. Você tem que saber as características biológicas de cada região para fazer a coisa certa. Nem sempre uma medida ou tecnologia implantada em outra área ou país vai dar certo em Minas Gerais, pois cada região tem sua característica específica”, alertou.