Estudo revela aumento da cobertura florestal em SP

A área coberta por florestas no Estado de São Paulo vem aumentando progressivamente desde a década de 90 do século passado, trazendo benefícios ecológicos e para a biodiversidade, mas também criando desafios econômicos e sociais. As causas do fenômeno são multifacetadas: envolvem desde um aumento da consciência ambiental, nos municípios afetados, à pressão internacional por produtos “ecologicamente corretos”, passando pelas crises econômicas dos anos 80 e 90 que levaram muitos produtores a abandonar suas terras, diz Juliana Sampaio Farinaci, autora da tese de doutorado “As novas matas do Estado de São Paulo: um estudo multiescalar sob a perspectiva da Teoria da Transição Florestal”. O estudo, defendido no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, no programa de doutorado interdisciplinar em Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), foi orientado pelo professor Mateus Batistella e coorientado pela professora Cristiana Simão Seixas.

O trabalho de Juliana, que é bióloga e pesquisadora do Nepam, já recebeu dois prêmios: o de melhor tese de doutorado em Ciências Ambientais, da Capes, e o da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (Anppas). O escopo do trabalho é ambicioso, envolvendo desde um levantamento dos dados de satélite sobre cobertura florestal no Estado, como um todo, a pesquisas mais focadas em seis municípios específicos e, por fim, entrevistas pessoais com proprietários de terra.

“O esforço que fiz, e que talvez tenha sido disso que as pessoas gostaram na minha tese, é o trânsito entre o macro e micro”, disse a pesquisadora ao Jornal da Unicamp. “Não adianta dizer: ‘Olha está aumentando a floresta! Que maravilha’, mas perguntar, maravilha para quem? Quando você vai olhar na escala local, tem toda uma tragédia social envolvida, mas também tem os benefícios ambientais. É preciso ver como que a gente, como sociedade, pensa isso”.

A constatação do avanço, ainda que modesto, da cobertura florestal se deu por meio da consolidação de dados de quatro diferentes fontes: o Instituto Florestal do Estado de São Paulo, o Censo Agropecuário do IBGE e o Levantamento Censitário das Unidades de Produção Agropecuária do Estado de São Paulo apontam aumento na área coberta por florestas a partir de 1990-1995, enquanto que os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e SOS Mata Atlântica constatam uma queda acentuada no desmatamento no Estado, a partir de 2000.

“Concluo que existe evidência, pelas próprias fontes de dados oficiais, que mais concordam do que discordam, de que se pode falar, sim, que está havendo um ganho líquido, ainda que discreto”, disse Juliana. E a virada – depois de décadas de devastação continuada – veio nos anos 90.

“Isso é algo que, acredito, tem muito a ver com o contexto político-econômico do Brasil e do mundo, em resposta a coisas que aconteceram aqui nas décadas de 80 e 90”, explica a pesquisadora, citando, entre outros exemplos, a criação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), a disseminação da ideia de desenvolvimento sustentável entre empresas e governos e, também, a crise econômica brasileira da época. “Problemas de ordem política e econômica levaram a uma certa estagnação econômica do Brasil, o que pode ter favorecido um maior abandono de terras em algumas regiões”, disse.

“Quando a gente fala abandono, não é que os donos foram embora e largaram – isso às vezes até acontece –, mas na maior parte das vezes é: eu tenho 50 hectares, não tenho condição de manter isso tudo limpo, porque demanda uma mão de obra, é trabalhoso e custoso. Então, se eu não tenho condição de vender a minha produção, e gerar esse dinheiro, eu vou reduzir”, descreveu a autora, acrescentando que, pela legislação ambiental, a mata nativa, uma vez reconstituída nas áreas que deixaram de ser aproveitadas pela agricultura, não pode mais ser retirada – ou só pode ser tocada após a obtenção de licenças especiais.

Juliana reconhece que a situação dá margem a um cenário de êxodo rural e precarização da vida nas cidades, mas se mostra otimista. “A gente tem de olhar do ponto de vista de desafios e oportunidades. Assim, isso traz uma oportunidade, também, que você pode enxergar sistemas de desenvolvimento local que favoreçam, por exemplo, o turismo de base comunitária”, sugere. “Hoje tem muita procura, tem várias alternativas que não precisam ser: ‘Ah, que ótimo, é bom mesmo que a gente modernizou o nosso país e vai todo mundo para a cidade’. Acho que essa é uma visão que não contribui para o desenvolvimento de nosso país”.

Na elaboração da tese, a pesquisadora aplicou questionários a produtores rurais de seis municípios – Campinas, Jundiaí, Monteiro Lobato, São Luiz do Paraitinga, São José dos Campos e Ubatuba – e, depois, realizou entrevistas em São Luiz do Paraitinga. Ela acredita que o orgulho e autoestima das populações locais podem ser estimulados de forma a garantir a conservação ambiental.

“Ali em São Luiz do Paraitinga tem um movimento, muito forte, de valorização da cultura caipira, e eu acho que isso pode ter um papel muito interessante, pode repercutir”, disse Juliana. “Hoje a gente entende que a nossa história foi sempre feita desses movimentos e reações – se por um lado existem agentes poderosos entrando e detonando tudo, ou pensando só no capital, também há possibilidades de crescimento, ferramentas de comunicação a que todos têm acesso, então essas microtendências podem ir aflorando. Acho que essa questão cultural pode agir também como um fator de resistência”.

Ela lembrou que aí existe uma oportunidade de aplicação do conceito de ecosystem stewardship (em tradução aproximada “gestão ambiental responsável”), que reconhece os ecossistemas como provedores de toda uma série de serviços, e não apenas de um ou outro produto, como madeira. O steward (“guardião”) seria o encarregado de cuidar do ambiente para que os serviços continuem a ser prestados. “A gente pode fomentar esses processos do cuidado em vários níveis, desde o habitante local”.

A busca por capital e mercados, com os incentivos corretos, também pode ajudar na prestação de serviços ecossistêmicos, disse a pesquisadora.

Um dos capítulos de sua tese, intitulado “Transição florestal e modernização ecológica: o caso das monoculturas de eucalipto para além do bem e do mal”, levanta a hipótese de que as grandes companhias (ou indústrias) que plantam eucalipto, constrangidas pela necessidade de certificação ambiental para obter acesso ao mercado exterior, acabam prestando serviços ecossistêmicos importantes.

“É claro que o eucalipto não vai prover todos os serviços, não vai ter todas as funções ecossistêmicas de uma mata bem preservada, mas vai ser capaz de prover alguns. É melhor do que concreto, e às vezes é melhor do que uma pastagem degradada, pois é mais permeável ao trânsito das espécies biológicas”, disse a pesquisadora.

Mesmo as áreas abandonadas pela agricultura, onde a mata nativa aos poucos se reconstitui, são, na verdade, híbridas, explica ela.  “Serão uma mistura de pomar com outras espécies que são muito plantadas, como eucalipto, pinheiro, mas não é por isso que se tem menos valor para prover os serviços ecossistêmicos”, afirmou.

“As florestas em recuperação ajudam a melhorar a conectividade entre fragmentos florestais. Você tem fragmentos ou remanescentes mais bem preservados, e se você tiver outros fragmentos, mesmo que não sejam tão bem preservados, podem servir como corredores, para animais e para plantas. Então, eles têm uma função de ajudar na conservação da biodiversidade”.

Mesmo reconhecendo que os ganhos de área coberta por floresta merecem ser celebrados, a pesquisadora chama atenção para a necessidade de avaliar a qualidade da cobertura, e não apenas sua quantidade. No corpo da tese, ao avaliar duas microbacias de São Luiz do Paraitinga – do Ribeirão Cachoerinha e do Rio Turvinho – ela escreve: “embora no Turvinho tenha havido aumento e no Cachoeirinha tenha havido redução da área total de mata, a mata existente no Cachoeirinha provavelmente é qualitativamente superior”, por contar com maior presença de vegetação em estágios avançados de regeneração.

No final da tese, Juliana apresenta um quadro – uma espécie de fluxograma – que busca integrar as várias influências que interagem, gerando como efeito a recuperação da área florestal no Estado de São Paulo. Trata-se de uma figura sem hierarquia clara de fatores, na qual elementos como a globalização interagem com a legislação ambiental, que por sua vez afeta – e é afetada – pelo perfil dos proprietários rurais.

“Uma coisa de que eu, nessa trajetória do doutorado, meio que abri mão foi da luta para entender qual o ovo e qual a galinha: ver exatamente onde as coisas começam num ciclo”, disse a pesquisadora. “Eu achava que ia conseguir ranquear por ordem de importância, mas abri mão, assim, da ansiedade por saber o que vem antes, o ovo ou a galinha. Basta saber que o ovo e a galinha são ambos importantes para que se mantenha a espécie”.

Incentivos econômicos, processos de conscientização, acesso a informação, pressões internacionais, legislação e fiscalização são todos importantes para a criação do cenário de conservação ambiental, afirmou ela. E são fatores que se afetam mutuamente. “Uma das coisas que vi foi que a própria legislação tem um potencial educativo. Porque as pessoas que estão morando numa área de fiscalização intensa querem saber: por que não posso desmatar? Por que ao longo do rio? Que negócio é esse de mata ciliar? Elas querem saber”.

Publicação

Tese: “As novas matas do Estado de São Paulo: um estudo multiescalar sob a perspectiva da Teoria da Transição Florestal”
Autora: Juliana Sampaio Farinaci
Orientador: Mateus Batistella
Coorientadora: Cristiana Simão Seixas
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

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