Estado é campeão em desmatamento do bioma há 5 anos
Publicado em O TEMPO 24 de maio de 2022 | 21h00
Os resultados do relatório anual do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica voltam a ser muito preocupantes. A iniciativa pioneira, liderada pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desde 1989, aponta que perdemos 21,6 mil hectares de florestas naturais em 2021. Isso equivale a 59 hectares (ha) ou campos de futebol por dia ou 2,5 ha por hora.
Infelizmente, Minas Gerais foi o Estado campeão do desmatamento no bioma pelo quinto ano seguido. Ao total foram perdidos 9.209 hectares de florestas naturais, que representaram 42% do total do desmatamento da Mata Atlântica em todos os 17 Estados de ocorrência do bioma. Além disso, houve um aumento de 96% em relação aos dados do estado no ano anterior, o maior dos últimos anos.
O aumento do desmatamento foi estrondoso e as florestas perdidas em Minas Gerais lançaram 4,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera. O resultado é uma grande contradição para um estado que se comprometeu formalmente com a ONU em zerar as suas emissões de gases de efeito estufa até 2050.
O fim do desmatamento e a restauração de florestas estão entre as ações mais baratas e fáceis de implementação para se alcançar essa meta. Acabar com o desmatamento não compromete as oportunidades de crescimento do estado – ao contrário, garante sustentabilidade. Além disso, Minas Gerais precisa recuperar ao menos de 760 mil hectares de matas ciliares para proteger suas nascentes e rios e cumprir com o Código Florestal. Os resultados do Atlas da Mata Atlântica deste ano mostram que o estado se encontra na contramão do seu compromisso público e internacional.
Além de acentuar o aquecimento global, aumentar o risco de eventos climáticos extremos e desastres naturais que ameaçam a vida e a economia, a perda da Mata Atlântica também aumenta os riscos de crises hídricas, apagões elétricos e de tragédias no Sudeste do Brasil. As enchentes dos últimos meses no estado são testemunhas desse fenômeno.
As matas nativas ainda são substituídas principalmente para serem ocupadas por pastagens e culturas agrícolas no sudoeste e noroeste do estado, principalmente na bacia do Rio Jequitinhonha. Em seguida vêm a mineração e a pressão da expansão urbana acompanhada da especulação imobiliária ao redor das grandes cidades.PUBLICIDADE
A intenção de permitir a mineração na Serra do Curral, em uma região estratégica para a gestão dos recursos hídricos, potencializa os riscos de escassez e de danos socioambientais graves. A atividade minerária é de alto impacto e por isso depende de um processo eficaz de licenciamento ambiental, que leve em conta as vocações de cada região e a participação da sociedade no processo decisório.
A mineração em outras regiões do Estado também causa desmatamentos e impacta o equilíbrio ambiental, mantendo Minas Gerais no sentido contrário do alcance da meta de zero de emissões de gases de efeito estufa.
As experiências traumáticas de Mariana e Brumadinho – que afetaram drasticamente as bacias hidrográficas dos rios Doce e Paraopeba – deveriam ter deixado lições para o Poder Executivo e à Assembleia Legislativa do estado.
Esses também deveriam repudiar os projetos de lei que tramitam em Brasília e que visam flexibilizar e enfraquecer a legislação e a gestão ambiental no país, como o do licenciamento ambiental, que é um instrumento democrático e que tem o papel de evitar, mitigar e compensar riscos ambientais e sociais de obras e empreendimentos potencialmente poluidores e danosos. Mas isso somente pode ser alcançado com uma lei robusta, arrojada, que privilegie o rigor técnico e científico, a transparência e a participação, o que não é o caso do projeto em andamento em Brasília.
Frear os retrocessos no Congresso Nacional e no Governo Federal até o final de 2022 e aguardar a renovação dos nossos poderes Legislativo e Executivo estaduais e federal com firme compromisso socioambiental são as bases para a esperança para o futuro.
(*) Luís Fernando Guedes Pinto e Malu Ribeiro são diretor de Conhecimento e diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.