Plano Diretor (PD) & Plano Municipal da Mata Atlântica (PMMA) – Casamento Perfeito de Planejamento Territorial Municipal

Por Sandra Steinmetz

Ambiental Consulting

Coordenadora do Programa de PMMA da SOS Mata Atlântica

O município foi outorgado pela Constituição Federal de 1988, como ente federativo autônomo, para assumir a competência da gestão urbana e ambiental local, garantir aos cidadãos o acesso aos benefícios sociais, à qualidade de vida e à participação da sociedade na formulação, controle e fiscalização das políticas públicas, amparados nos princípios democráticos e na descentralização do poder político.

Os valores e princípios descentralizadores, na esfera ambiental, estabelecidos desde a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama – LEI 6.938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente) e, mais recentemente reforçados pela Lei Complementar 140/2011 (instituída conforme art. 23 da Constituição Federal), necessitam ser reafirmados pelo fortalecimento dos órgãos ambientais das três esferas e de seus papéis, de modo a promover a integração de suas atuações, respeitadas as respectivas autonomias e diversidades, para o desenvolvimento de políticas ambientais harmônicas, que respondam às demandas da sociedade brasileira.

Atualmente, segundo dados do IBGE (Pesquisa de Informações Básicas Municipais – 2012) e do Atlas de Remanescentes da Fundação SOS Mata Atlântica e INPE (período 2011-2012), 3.498 municípios estão inseridos no bioma da Mata Atlântica, sendo que 71% possuem 100% do seu território no bioma. Desses municípios totalmente inseridos na Mata Atlântica, a maioria (62%) possui menos de 10% de remanescentes de vegetação nativa.

 

Ao imaginar a relevância da Mata Atlântica e seu status atual de fragmentação e degradação, decorrente da falta de planejamento, principalmente ligado à ocupação territorial, é impossível visualizar a sua conservação e recuperação sem uma efetiva contribuição dos municípios. Conservar e recuperar a Mata Atlântica são então questões de planejamento territorial.

Nessa linha, a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. O município dessa forma deve ser o responsável pelo ordenamento territorial, ainda que os governos federal e estaduais possam definir diretrizes, metas e apoiar a execução. E a sociedade deve conhecer, participar e apoiar o planejamento em escala local.

O Plano Diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. Deve conter a delimitação das áreas urbanas onde pode ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização.

Em sintonia, a Lei 11.428, de dezembro de 2006 – Lei da Mata Atlântica – abre a possibilidade dos municípios, cujo território está total ou parcialmente nela inserido, atuarem proativamente na defesa, conservação e recuperação da vegetação nativa da Mata Atlântica. O art. 38 da Lei instituiu o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA).

O PMMA deve apontar ações prioritárias e áreas para a conservação e recuperação da vegetação nativa e da biodiversidade da Mata Atlântica, com base em um mapeamento dos remanescentes do município. O Plano deverá, igualmente, ser capaz de fornecer os subsídios ambientais a programas de ação, no âmbito dos Planos Municipais correlatos, com destaque ao Plano Diretor Municipal.

Há planos diretores municipais que determinam um rol de programas e ações de natureza ambiental, incluindo ações referentes à proteção e conservação da vegetação. Nesse sentido, além do planejamento territorial, o PMMA poderá contribuir para a implementação de projetos e ações já previstos, ou adicionar outros complementares às diretrizes e estratégias contidas no Plano Diretor, ou sua revisão.

A proposta de construção conjunta do PD (seja o primeiro ou revisão) e do PMMA traz um ganho expressivo para ambos, direcionando, em benefício à sustentabilidade do município, à qualidade de vida dos seus cidadãos e à conservação da Mata Atlântica:

  • as políticas de desenvolvimento econômico, sociocultural, ambiental, infraestrutura e desenvolvimento urbano;
  • o ordenamento do território municipal, particularmente no que ser refere às áreas de interesse ambiental, as áreas de expansão urbana e as áreas de risco identificadas;
  • as diretrizes e instrumentos de uso e ocupação do solo urbano;
  • o sistema de planejamento, com indicação dos procedimentos de acompanhamento e controle.

Adicionalmente, a construção conjunta propicia um olhar multidisciplinar, abarcando as equipes voltadas ao urbanismo e ao meio ambiente, além das outras disciplinas relacionadas. Da mesma forma, mobiliza um número maior de atores tornando o processo mais participativo e menos polarizado, realmente focado no desenvolvimento sustentável em seus três pilares (ambiental, sociocultural e econômico). Posteriormente, esse planejamento sintonizado e coerente, com metas convergentes, auxiliará sobremaneira a sua execução.

Além do Plano Diretor Municipal, o PMMA deve subsidiar o zoneamento ambiental do município, por vezes elaborado de forma complementar ao PD, além de outros instrumentos de ordenamento territorial em vigor, tais como o macrozoneamento, que define e classifica as diferentes áreas do município, e a Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano, que estabelece parâmetros e índices para o uso e ocupação dos terrenos nas áreas urbanas.

Nesse sentido um bom exemplo está no PMMA de Maringá, que subsidiou a revisão das leis relativas ao uso e ocupação do solo, ao sistema viário básico do município e ao parcelamento do solo no território Municipal, restringindo novas construções nas áreas de fundo de vales (Lei 888/11), com largura mínima de 60 metros entre o curso d’água e a via paisagística, sendo que o empreendedor deve arcar com os custos de recuperação e manutenção dessas áreas. No contexto da Mata Atlântica do município, os Fundos de Vale recuperados ganham a função de corredores ecológicos entre os remanescentes.

Por outro lado, pelo levantamento do IBGE (Pesquisa de Informações Básicas Municipais – 2012), em 2012, cerca de 54% dos municípios inseridos em Mata Atlântica possuíam Plano Diretor. Como o Estatuto da Cidade é de 2001, vários municípios estão em processo de revisão de seus Planos Diretores, o que traz uma oportunidade para inserção do PMMA, como foi feito na revisão do PD do Município de São Paulo e está em andamento em outros municípios. Vale notar ainda que a maioria dos municípios (cerca de 73% segundo IBGE, 2013) não possui zonas prioritárias para a proteção ambiental em áreas urbanas e que vivemos um tempo de ampla urbanização, principalmente em cidades que estão na Mata Atlântica. Esse processo traz mais urgência ao PMMA e seu casamento com o PD e leis decorrentes.

Sendo assim, não há como imaginar qualidade de vida e desenvolvimento sustentável nos municípios que estão na Mata Atlântica, principalmente aqueles com acelerado processo de urbanização, sem planejar a conservação de todos os remanescentes de vegetação natural e recuperação daqueles nas áreas prioritárias dentro de um ordenamento territorial mais amplo. Ou seja, casando o PD com o PMMA, todos ganham: a Mata Atlântica e seus moradores: nós!