Entre 2019 e 2020, o desmatamento da Mata Atlântica se intensificou em dez dos 17 estados que compreendem o bioma: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará, Alagoas, Rio Grande do Norte, Goiás, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Espírito Santo. Nos quatro últimos (RJ, MS, SP e ES), o aumento foi de mais de 100% em relação ao período anterior – sendo que em São Paulo e no Espírito Santo este ultrapassou 400%. A manutenção do alto patamar de perda da vegetação nativa, com o crescimento do desmatamento em diversos estados, ameaça intensamente o bioma e reforça a necessidade de ações de preservação e restauração florestal. 

No total, foram desflorestados 13.053 hectares (130 quilômetros quadrados) da Mata Atlântica no período – dado que, apesar de 9% menor que o levantado em 2018-2019 (14.375 hectares), representa um crescimento de 14% em relação a 2017-2018 (11.399 hectares), quando se atingiu o menor valor da série histórica.

Os três estados que mais desmataram no período anterior seguem no topo do ranking, embora mostrem ligeiras reduções em seus índices: Minas Gerais (de 4.972 para 4.701 hectares), Bahia (de 3.532 para 3.230 hectares) e Paraná (de 2.767 para 2.151 hectares). Junto de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul, respectivamente o quarto e o quinto da lista, eles acumulam 91% da perda de vegetação da Mata Atlântica entre 2019 e 2020.

“Mesmo que tenhamos uma diminuição de 9% do desmatamento em relação a 2018-2019, ali o aumento havia sido de 30%, então não podemos falar em tendência de queda”, explica Luís Fernando Guedes Pinto, diretor de Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica. “Além disso, no que se refere à Mata Atlântica, 13 mil hectares é muito, porque se trata de uma área onde qualquer perda impacta imensamente a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, como regulação do clima e disponibilidade e qualidade da água”, afirma. 

Reserva Biológica das Perobas ilhada. Foto: Jarbas Yurasseck Junior/cc 3.0

Segundo ele, a grande preocupação é ver estados que já estiveram muito próximos de zerar o desflorestamento voltando a mostrar aumentos expressivos. “São Paulo e Espírito Santo são os maiores exemplos disso”, completa.

Oito dos 17 estados aparecem nessa condição próxima ao desmatamento zero, ou seja, menor de 100 hectares. Alagoas, Ceará, Goiás, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. No período de 2017-2018 e de 2018-2019, nove estados apareciam com menos de 100 hectares desflorestados.

Enquanto nos estados que abrangem a maior parcela de desmatamento do bioma no país a ocupação agrícola pode ser apontada como principal vetor, em regiões como as de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde, proporcionalmente, o desmatamento se mostrou muito acentuado, a pressão está no entorno das áreas metropolitanas e no litoral – ocorrendo, acima de tudo, por conta da expansão imobiliária e pelo turismo

Para Luís Fernando, o principal problema é a falta de fiscalização. “Os governos precisam fazer valer a Lei da Mata Atlântica, que não permite a conversão de áreas florestais avançadas, e garantir o desmatamento ilegal zero por meio do combate às derrubadas não autorizadas”, explica. 

Um estado que chama a atenção é o Piauí, que teve uma queda drástica no desmatamento neste último período. Entre 2017-2018 aparecia no quarto lugar da lista, com 2.100 hectares, no período 2018-2019 foram desflorestados 1.558 hectares e neste último período, apenas 372 hectares,76% de redução, caso a ser comemorado.

Desflorestamento (dec) da Mata Atlântica identificados no período 2019-2020 em comparação ao período anterior (em hectare):

Tecnologia para monitorar o desmate

As informações são do Atlas da Mata Atlântica, estudo realizado desde 1989 pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, unidade vinculada ao Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação (INPE/MCTI), lançado na última quarta-feira (26). A execução técnica ficou a cargo da Arcplan.

O levantamento é realizado por meio de imagens de satélite e tecnologias na área da informação, do sensoriamento remoto e do geoprocessamento. O projeto é fruto de um acordo de cooperação técnica pioneiro voltado a determinar a distribuição espacial dos remanescentes florestais e de ecossistemas associados da Mata Atlântica, monitorar as alterações da cobertura vegetal e gerar informações permanentemente aprimoradas e atualizadas desse bioma.

“Os avanços tecnológicos na área da informação, do sensoriamento remoto, do processamento de imagens de satélites e da geoinformática vêm contribuindo favoravelmente para a realização do Atlas, tornando-o mais preciso e detalhado, além de mais acessível ao público em geral”, afirma Silvana Amaral, coordenadora técnica do Atlas da Mata Atlântica pelo INPE. 

O relatório completo do Atlas da Mata Atlântica 2019-2020 pode ser acessado em www.sosma.org.br e no www.inpe.br

Todos os dados também estarão disponíveis no aplicativo www.aquitemmata.org.br, com mapas interativos e gráficos que trazem a informação atualizada sobre o desmatamento e o estado de conservação de florestas, mangues e restingas nos 3.429 municípios da Mata Atlântica.

Restauração como prioridade

Hoje a Mata Atlântica mantém apenas 12,4% de sua vegetação original – que se distribui por mais de 1,3 milhão de quilômetros quadrados (três vezes a área da Suécia). Além de a proporção estar muito abaixo do limite mínimo aceitável para sua conservação, que é, segundo estudo da revista Science, de 30%, as florestas naturais encontram-se restritas a espaços extremamente fragmentados (a maior parte não chega a 50 hectares) e, em 80% dos casos, encontram-se em propriedades privadas.

A situação atual contrapõe-se a importantes referências internacionais que – pela conservação de sua rica biodiversidade e de seu potencial no combate às mudanças climáticas – apontam a Mata Atlântica como uma das prioridades mundiais para a restauração florestal. Mais do que isso, sua proteção e seu reflorestamento são fundamentais para a garantia de serviços ecossistêmicos em uma região que abriga 70% da população brasileira e responde por 80% da economia nacional.

Dessa forma, para a SOS Mata Atlântica, mais do que interromper o desmatamento da Mata Atlântica, é preciso, nesta que é a Década de Restauração de Ecossistemas da ONU, tornar sua recuperação uma prioridade na agenda ambiental e climática. 

Férias na Mata Atlântica

“A restauração de ecossistemas é uma solução baseada na natureza para alcançarmos o cenário de redução de 1,5°C de aquecimento global estabelecido no Acordo de Paris. As maiores e mais baratas contribuições que o Brasil pode dar ao combate das mudanças climáticas são as soluções baseadas na natureza. O caso da Mata Atlântica tem tudo para se tornar uma referência global para a proteção e recuperação de florestas tropicais e hotspots ameaçados. Sua restauração geraria benefícios não só para a população e a economia nacionais, mas também para o planeta e a humanidade como um todo”, aponta Guedes Pinto, diretor da ONG.

Para Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, é fundamental que os estados que compõem o bioma vejam na década da restauração uma oportunidade para regenerar e recuperar a floresta. “Deveríamos estar comemorando a renovação, porém ainda estamos falando sobre como conter o desmatamento, que não para de crescer”, alerta. “A sociedade e os gestores precisam encarar essa como uma agenda estratégica para o Brasil principalmente em relação às emergências climáticas.”

A Fundação SOS Mata Atlântica promove iniciativas que estão entre as que mais contribuem para a restauração do bioma no país, contabilizando cerca de 42 milhões de mudas de árvores nativas plantadas e cerca de 23 mil hectares restaurados em nove estados – uma área equivalente ao território de Recife (PE). As marcas Nespresso e Ypê são parcerias em projetos de restauração da organização.

(Matéria retirada do Portal CicloVivoclique aqui para acessar)